Introdução de Lawrence W. Reed e posfácio de Milton Friedman
Traduzido por Flávio Ghetti
Introdução
Por Lawrence W. Reed
Eloquente. Extraordinário. Atemporal. Mudança de Paradigma. Clássico. Meio século após sua primeira publicação, “Eu, o Lápis” de Leonard Read, ainda provoca tais adjetivos de louvor. Merecidamente, pois este pequeno ensaio abre os olhos e mentes de pessoas de todas as idades. Muitos que o leram pela primeira vez nunca mais viram o mundo do mesmo modo novamente.
Ideias são mais poderosas quando envolvidas numa estória atrativa. O ponto central de Leonard – a economia dificilmente pode ser “planejada” quando nenhuma alma possui todos os conhecimentos e habilidades para produzir um simples lápis – revela-se nas palavras encantadoras do próprio lápis. Leonard poderia ter escrito “Eu, o Carro” ou “Eu, o Avião”, mas escolher estes itens mais complexos teria abafado a mensagem. Nenhuma pessoa – repito, nenhuma pessoa - não importa quão inteligente ou quantos títulos acadêmicos sigam-se a seu nome, poderia produzir, partindo do zero, um pequeno e cotidiano lápis. Muito menos um carro ou um avião.
Esta é uma mensagem que humilha os grandes e poderosos. Ela alfineta os egos inflados daqueles que pensam saber como cuidar dos negócios de todos. Ela explica em linguagem clara porquê o planejamento central é um exercício de arrogância e futilidade, ou, o que o Economista Austríaco, premiado com o Nobel, F. A. von Hayek adequadamente chamou de “a pretensão do conhecimento”.
De fato, a maior influência no pensamento de Read a este respeito foi o famoso artigo de Hayek, publicado em 1945, “O Uso do Conhecimento na Sociedade”. Demolindo as afirmações espúrias dos socialistas de então (e de agora), Hayek escreveu:
É dito que Maximilien Robespierre teria justificado o horror da Revolução Francesa com esta declaração assustadora: “On ne saurait pass faire une omelette sans casser des oeufs”. Traduzindo: “Ninguém pode fazer uma omelete sem quebrar os ovos”. Um rematado estatista, que trabalhou incansavelmente para planejar as vidas de outros, ele se tornaria o arquiteto da fase mais sangrenta da Revolução – o Reino do Terror de 1793-94. Robespierre e sua guilhotina quebraram ovos aos milhares num esforço vão para impor uma sociedade utópica com planejadores governamentais no topo e toda a população embaixo.
A experiência Francesa não é senão um exemplo de um padrão familiar perturbador. Chame-os do que você quiser - socialistas, intervencionistas, coletivistas, estatistas – a história está repleta destes planejadores presunçosos reformulando a sociedade para que esta se encaixe à sua visão de bem comum, planejamentos que sempre falham, enquanto matam ou empobrecem outras pessoas no processo. Se o socialismo alguma vez merecer um epitáfio, será este: Aqui jaz um aparelho planejado por um “sabe tudo” que quebrou ovos sem moderação sem nunca, nunca!, produzir uma omelete.
Nenhum dos Robespierres do mundo sabia como fazer um lápis, contudo eles desejaram reconstruir sociedades inteiras. Quão completamente absurdo, e pesarosamente trágico!
Mas perderemos uma ampla implicação da mensagem de Leonard Read se assumirmos isto como propósito apenas dos tiranos cujos nomes conhecemos. A lição de “Eu, o Lápis” é que os erros não começam quando os planejadores pensam grande. O erro começa no momento em que alguém lança a humildade de lado, assume conhecer o incognoscível, e emprega a força do Estado contra indivíduos pacíficos. Isto não é uma doença nacional. Ela pode, de fato, ser bastante local.
Em nosso meio estão pessoas que pensam que, se elas tivessem o poder do governo ao seu lado, poderiam escolher os vencedores e perdedores de amanhã no mercado, fixar preços e rendas onde eles deveriam estar, decidir quais formas de energia deveriam alimentar nossas residências e carros, e escolher quais indústrias deveriam sobreviver e quais deveriam extinguir-se. Eles deveriam parar por uns poucos momentos e aprender um pouco da humildade de um modesto implemento de escrita.
Enquanto “Eu, o Lápis” destrói as expectativas infundadas dos planejadores centrais, ele fornece uma perspectiva individual supremamente edificante. Guiadas pela “mão invisível” de Adam Smith, por preços, propriedade, lucros e incentivos, pessoas livres realizam milagres econômicos com os quais os teóricos socialistas podem apenas sonhar. Da mesma forma que interesses de incontáveis indivíduos ao redor do mundo convergem para produzir lápis sem uma única “mente controladora”, eles também interagem no livre mercado para alimentar, vestir, abrigar, educar e entreter centenas de milhões de pessoas em níveis cada vez mais altos.
Com grande orgulho, a FEE publica esta nova edição de “Eu, o Lápis” para assinalar o 50o aniversário do ensaio. Algum dia haverá uma edição centenária, talvez mesmo uma milenar. Este ensaio é, verdadeiramente, para a eternidade.
Lawrence W. Reed, Presidente da Foundation for Economic Education
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Eu, o Lápis
Leonard Read
Eu sou um lápis de grafite — daqueles lápis comuns de madeira, conhecidos de todas as crianças e adultos que sabem ler e escrever.
Escrever é minha vocação e minha profissão; é tudo o que eu faço.
Você pode se perguntar o que me leva a escrever uma genealogia. Bem, pra começar, minha história é interessante. E, depois, sou um mistério — mais do que uma árvore ou um pôr-do-sol ou até mesmo um relâmpago. Mas, infelizmente, não sou devidamente considerado por aqueles que me usam, que me veem como se eu fosse uma mera ocorrência natural, sem todo um histórico de experiências. Essa atitude desdenhosa relega-me ao nível da trivialidade. Esse é um tipo de erro lamentável no qual a humanidade não pode persistir por muito tempo sem riscos. Como o sábio G. K. Chesterton observou, "Nossa decadência vem da falta de maravilhamento, não da falta de maravilhas."
Eu, o Lápis, apesar de parecer simples, mereço todo seu maravilhamento e espanto, como tentarei demonstrar. Na verdade, se você tentar me compreender — não, isso é pedir demais de alguém —, se você puder perceber a maravilha que eu simbolizo, você pode ajudar a salvar a liberdade que a humanidade está infelizmente perdendo. Tenho uma lição profunda a ensinar. E posso ensiná-la melhor do que um automóvel ou um avião ou uma máquina lava-louças porque... bem, porque eu sou aparentemente muito simples.
Simples? Sim. E mesmo assim, não há uma única pessoa na face da terra que consiga me produzir. Parece fantástico, não? Especialmente quando se sabe que, apenas nos EUA, existem em torno de um a um bilhão e meio da membros da minha espécie produzidos a cada ano.
Pegue-me e dê uma boa olhada. O que você vê? Não há muito o que contemplar: há um pouco de madeira, verniz, a marca impressa, a ponta de grafite, um pouco de metal e uma borracha.
Inúmeros antepassados
Assim como você não pode rastrear o passado de sua árvore genealógica até muito longe, também me é impossível nomear e explicar todos os meus antepassados. Mas eu gostaria de citar alguns deles para que você se impressione com a riqueza e complexidade do meu passado.
Minha árvore genealógica começa com aquilo que de fato é uma árvore de verdade, um cedro nascido da semente que cresce no nordeste da Califórnia e no estado do Oregon. Agora visualize todas as serras e caminhões e cordas e outros incontáveis instrumentos usados para cortar e carregar os troncos de cedro até a beira da ferrovia. Pense em todas as pessoas e suas inumeráveis capacidades que concorreram para minha fabricação: a escavação de minerais, a fabricação do aço e seu refinamento em serras, machados, motores: todo o trabalho que faz com que as plantas passem por vários estágios até se tornarem cordas fortes e pesadas; os campos de exploração de madeira com suas camas e refeitórios, a cozinha e a produção de toda a comida para os lenhadores. Milhares de pessoas têm participação em cada copo de café que os lenhadores bebem.
Os troncos são enviados para uma serraria em San Leandro, Califórnia. Você é capaz de imaginar todos os indivíduos que fizeram os vagões, os trilhos e as locomotivas, e que construíram e instalaram todos os sistemas de comunicação para tudo isso? Essas multidões estão entre os meus antepassados.
Considere o trabalho dessa serraria em San Leandro. Os troncos de cedro são cortados em pequenas tiras do comprimento de um lápis com menos de 7 milímetros de espessura. Essas tiras de madeira são queimadas no forno e em seguida são coloridas, pela mesma razão que as mulheres colocam maquiagem em seus rostos. As pessoas preferem que eu tenha uma aparência bonita, e não um branco pálido. As tiras são enceradas e levadas novamente ao forno. Quantas habilidades foram necessárias para a fabricação da tintura e dos fornos? E para prover o calor, a luz e a eletricidade, as correias e seus acoplamentos, os motores, e tudo o mais que uma serraria requer? Os faxineiros da serraria estão entre os meus antepassados? Sim, e também os homens que despejaram o concreto para a construção da represa da hidroelétrica que forneceu a energia da serraria!
E não se esqueça de todos os antepassados atuais e distantes que participaram do transporte dos sessenta vagões carregados dessas tiras de madeira através do país.
Uma vez na fábrica de lápis — US$ 27.700.000,00 (valores atualizados) em maquinário e construção, tudo capital acumulado pelos meus pais que pouparam e foram frugais —, uma máquina complexa faz oito entalhes em cada tira de madeira. Após isso, outra máquina deposita a ponta de grafite, aplica a cola e coloca outra tira em cima da tira anterior — um sanduíche de grafite, por assim dizer. Sete irmãos e eu somos mecanicamente esculpidos por meio desse processo de "ensanduichamento de madeira".
Minha ponta de grafite também é complexa. O grafite vem de minas no Sri Lanka. Pense nos mineradores, naqueles que fabricam suas diversas ferramentas, nos fabricantes dos sacos de papel nos quais o grafite é enviado, naqueles que fazem os cordões que amarram os sacos, naqueles que os embarcam nos navios e naqueles que fabricam os navios. Até os zeladores das torres de farol auxiliaram no meu nascimento — além dos pilotos que conduzem os navios quando estes chegam aos portos, também conhecidos como práticos.
O grafite é misturado com argila vinda do Mississipi, em cujo processo de refinamento se usa hidróxido de amônio. Agentes umedecedores são então adicionados, como sebo sulfonado — gorduras animais reagidas quimicamente com ácido sulfúrico. Depois de passar por numerosas máquinas, a mistura finalmente surge na forma de filetes expelidos (processo conhecido como extrusão) — como se saíssem de um moedor de carne —, cortados no tamanho certo, secos e assados por várias horas a mais de 1.000 graus Celsius. Para alisar e aumentar sua resistência, as pontas são então tratadas com uma mistura quente que inclui cera candelilla do México, parafina e gorduras naturais hidrogenadas.
Minha madeira recebe seis camadas de verniz. Você sabe todos os ingredientes do verniz? Quem poderia imaginar que os cultivadores de mamona e os refinadores de óleo de mamona fazem parte? Mas fazem. Aliás, até os processos pelos quais o verniz adquire um belo tom de amarelo envolvem a perícia de mais pessoas do que qualquer um pode enumerar!
Observe minha marca. Ela é um filme formado pela aplicação de calor sobre carbono negro misturado com resinas. Como se faz resinas? E, por favor me diga, o que é carbono negro?
Meu pedaço de metal na ponta superior — o arco — é de latão. Pense em todas as pessoas que mineram zinco e cobre, e naquelas que possuem as habilidades para fazer brilhantes placas de latão com esses produtos da natureza. As pequenas manilhas no meu arco de metal são níquel preto. O que é níquel preto e como ele é aplicado? A história completa sobre o porquê do centro do meu arco de metal não possuir níquel preto levaria páginas para explicar.
Então há a minha gloriosa coroação, a borracha, a parte que o homem usa para apagar os erros que ele comete comigo. São os ingredientes abrasivos que apagam. Produtos feitos pela reação do óleo de semente de colza das colônias holandesas com cloreto sulfúrico. A borracha, contrária ao senso comum, é só para dar consistência. E então, também, há numerosos agentes vulcanizantes e aceleradores. A lixa vem da Itália; e o pigmento que colore a borracha é o sulfeto de cádmio.
Ninguém sabe
Alguém deseja contestar minha afirmação anterior de que não há sequer uma pessoa na face da terra que saiba como me fazer?
Realmente, milhões de seres humanos participaram da minha criação, e nenhum deles sabe mais do que alguns dos outros. Agora, você pode dizer que estou indo longe demais ao relacionar os colhedores de café no Brasil — e em outros lugares — à minha criação, e que essa é uma posição extremada. Mantenho minha posição. Não há uma única pessoa em todos esse milhões, incluindo o presidente da empresa frabricante do lápis, que contribuiu com mais do que uma mínima, ínfima porção de conhecimento. Do ponto de vista técnico e prático, única diferença entre o minerador da grafite e o lenhador no estado do Oregon é o tipo do conhecimento. Nem o minerador nem o lenhador podem ser dispensados, tampouco se pode dispensar o químico da fábrica ou o trabalhador da refinaria de petróleo — já que a parafina é um subproduto do petróleo.
Aqui vai um fato assombroso: nem o trabalhador da refinaria petróleo, nem o químico, nem o escavador do grafite ou da argila, nem os homens que fazem os navios ou trens ou caminhões, nem aquele que controla a máquina que arremata meu pedaço de metal, nem o presidente da empresa fazem seu trabalho particular porque eles me querem. Cada um me deseja menos, talvez, do que uma criança na primeira série. Sem dúvida, existem alguns nesta vasta multidão que nunca viram um lápis ou não sabem como utilizá-lo. Sua motivação é outra. É mais ou menos assim: Cada um desses milhões vê que ele pode, deste modo, trocar seu pequenino conhecimento por bens e serviços que deseja ou dos quais necessita. E eu posso estar ou não entre esses itens.
Sem uma mente superior planejadora
Há um fato ainda mais espantoso: a ausência de uma mente planejadora, de alguém ditando, ou direcionando forçosamente essas incontáveis ações que me permitem existir. Não há sinal da existência dessa pessoa. Em vez disso, vemos apenas o trabalho da mão invisível. Esse é o mistério a que me referi anteriormente.
Diz-se que "apenas Deus pode fazer uma árvore". Por que concordamos com isso? Não é porque percebemos que nós mesmos não conseguimos fazer uma? Conseguimos realmente explicar uma árvore? Não, exceto em termos superficiais. Podemos dizer, por exemplo, que uma determinada configuração molecular se manifesta como uma árvore. Mas qual é o intelecto entre os homens que poderia sequer memorizar as constantes mudanças que acontecem na extensão da vida de uma árvore? Essa façanha é absolutamente impensável!
Eu, o Lápis, sou uma combinação complexa de milagres: árvore, zinco, cobre, grafite e muito mais. Mas, a esses milagres que se manifestam na natureza, um milagre ainda mais extraordinário foi adicionado: a disposição das energias criativas humanas — milhões de minúsculos conhecimentos configurando naturalmente e espontaneamente uma resposta à necessidade e ao desejo humano, sem precisar de qualquer mente superior! Se apenas Deus pode fazer uma árvore, também insisto que apenas Deus pode me fazer. Homens não conseguem dirigir esses milhões de conhecimentos para me trazer à "vida", assim como não conseguem ajustar as moléculas para criar uma árvore.
O parágrafo anterior mostra o que procurei expressar quando disse "se você puder perceber a maravilha que eu simbolizo, você pode ajudar a salvar a liberdade que a humanidade infelizmente está perdendo". Se alguém atentar para o fato de que esses conhecimentos irão naturalmente, até mesmo automaticamente, arranjar-se em padrões produtivos e criativos em resposta às necessidades e demandas humanas — ou seja, na ausência de um governo ou qualquer outra mente superior coercitiva —, então este alguém possuirá um ingrediente absolutamente essencial para a liberdade — a fé nas pessoas livres. A liberdade é impossível sem essa fé.
Uma vez que o governo obteve o monopólio de uma atividade criativa como, por exemplo, a entrega de correspondências, a maioria dos indivíduos passou a acreditar que as cartas não poderiam ser entregues eficientemente pela ação livre dos homens. E aqui está a razão: cada um reconhece que ele próprio não sabe como fazer acontecer todas as circunstâncias para a entrega de correspondências. Essas suposições estão corretas. Nenhum indivíduo possui conhecimento suficiente para efetuar a entrega de correspondências para toda a nação, assim como nenhum indivíduo possui conhecimento suficiente para fazer um lápis. Agora, na ausência da fé em pessoas livres — sem a percepção de que milhões de pequeninos conhecimentos podem naturalmente e miraculosamente se formar e cooperarem para satisfazer suas necessidades — o indivíduo só pode concluir equivocadamente que a correspondência só pode ser entregue graças à "mente superior" do governo.
Fartura de testemunhos
Se eu, o Lápis, fosse o único item que pudesse oferecer testemunho sobre o que homens e mulheres podem realizar quando têm liberdade para empreender, então aqueles com pouca fé teriam um argumento justo. No entanto, há uma fartura de testemunhos: estão à nossa volta, ao nosso alcance. A entrega de correspondência é extremamente simples quando comparada com, por exemplo, a fabricação de um automóvel ou uma calculadora ou uma máquina agrícola ou dezenas de milhares de outras coisas.
Entrega? Aliás, onde os homens puderam se aventurar nessa área, eles conseguiram fazer a entrega da voz humana em menos de um segundo: entregam um evento visualmente e em movimento na casa de qualquer pessoa no momento em que está acontecendo; entregam 200 passageiros de uma cidade a outra em questão de horas; entregam gás de uma cidade à fornalha de alguém em outra cidade a preços inacreditavelmente baixos e sem subsídio; entregam um quilo de óleo do Golfo Pérsico no oeste americano — meia volta ao mundo — por menos do que o governo cobra para entregar uma carta de 50 gramas ao outro lado da rua!
A lição que eu tenho para ensinar é a seguinte: deixem que as energias criativas permaneçam desimpedidas. Simplesmente deixem que a sociedade se organize espontaneamente para que ela aja em harmonia com essa lição. Deixem que os aparatos legais da sociedade removam todos os obstáculos da melhor forma possível. Permitam que esses conhecimentos fluam livremente. Tenham fé que homens e mulheres irão responder à mão invisível. Essa fé será confirmada. Eu, o Lápis, aparentemente tão simples, ofereço o milagre da minha criação como um testemunho de que essa fé é real, tão real quanto o sol, a chuva, o cedro. Tão real quanto a Terra.
Leonard Read foi o fundador do instituto Foundation for Economic Education e amplamente responsável pelo renascimento da tradição liberal nos EUA no pós-guerra.
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Posfácio
por Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia, 1976
A deliciosa estória de Leonard Read, “Eu, o Lápis”, tornou-se um clássico, e merecidamente. Não conheço nenhuma outra peça de literatura que ilustre tão sucintamente, persuasivamente e efetivamente o significado da mão invisível de Adam Smith – a possibilidade de cooperação sem coerção – e a ênfase de Friedrich Hayek na importância do conhecimento disperso, e o papel do sistema de preços na comunicação da informação que “fará com que indivíduos produzam coisas desejáveis sem que ninguém tenha que dizer a eles o que fazer”.
Utilizamos a estória de Leonard em nosso programa na televisão, “Free to Choose” (Livre para Escolher), e no livro de mesmo título para ilustrar “o poder do mercado” (título tanto do primeiro segmento do show de TV quanto do primeiro capítulo do livro). Resumimos a estória e avançamos para dizer: “Nenhuma das milhares de pessoas envolvidas na produção de um lápis desempenhou sua tarefa porque queria um lápis. Alguns entre eles nunca viram um lápis e não saberiam para que ele serve. Cada um viu seu trabalho como um meio de obter bens e serviços que desejavam – bens e serviços que produzimos a fim de adquirir o lápis que desejamos. Cada vez que vamos à loja e compramos um lápis, estamos trocando uma pequena parte de nossos serviços por uma quantidade infinitesimal dos serviços com que cada um destes milhares contribuiu para produzir um lápis”.
“É ainda mais surpreendente que o lápis tenha sido produzido. Ninguém sentado num escritório central deu ordens a estes milhares de pessoas. Nenhuma polícia militar fez cumprir ordens, elas não foram dadas. Estas pessoas vivem em muitos países, falam diferentes línguas, praticam religiões diferentes, podem mesmo odiar-se umas as outras – contudo, nenhuma destas diferenças impediu-os de cooperar para produzir um lápis. Como isto acontece? Adam Smith deu-nos a resposta dois séculos atrás”.
“Eu, o Lápis” é uma produção típica de Leonard Read: imaginativo, simples e sutil, respirando o amor à liberdade que perpassou tudo o que Leonard escreveu ou fez. Como no restante do trabalho, ele não estava tentando dizer às pessoas o que fazer ou como conduzirem a si mesmas. Ele estava simplesmente tentando aumentar o entendimento delas próprias e do sistema em que elas vivem.
Este foi seu credo básico e um a que ele aderiu consistentemente durante seu longo período de serviços ao público – não serviço público no sentido de serviço governamental. Qualquer que fosse a pressão, ele aderiu a suas armas, recusando-se a comprometer seus princípios. Por isso ele foi tão efetivo em manter viva, naqueles primórdios, e então ao disseminar a ideia básica de que a liberdade humana requer propriedade privada, livre competição e governos severamente limitados.
Traduzido por Flávio Ghetti
Introdução
Por Lawrence W. Reed
Eloquente. Extraordinário. Atemporal. Mudança de Paradigma. Clássico. Meio século após sua primeira publicação, “Eu, o Lápis” de Leonard Read, ainda provoca tais adjetivos de louvor. Merecidamente, pois este pequeno ensaio abre os olhos e mentes de pessoas de todas as idades. Muitos que o leram pela primeira vez nunca mais viram o mundo do mesmo modo novamente.
Ideias são mais poderosas quando envolvidas numa estória atrativa. O ponto central de Leonard – a economia dificilmente pode ser “planejada” quando nenhuma alma possui todos os conhecimentos e habilidades para produzir um simples lápis – revela-se nas palavras encantadoras do próprio lápis. Leonard poderia ter escrito “Eu, o Carro” ou “Eu, o Avião”, mas escolher estes itens mais complexos teria abafado a mensagem. Nenhuma pessoa – repito, nenhuma pessoa - não importa quão inteligente ou quantos títulos acadêmicos sigam-se a seu nome, poderia produzir, partindo do zero, um pequeno e cotidiano lápis. Muito menos um carro ou um avião.
Esta é uma mensagem que humilha os grandes e poderosos. Ela alfineta os egos inflados daqueles que pensam saber como cuidar dos negócios de todos. Ela explica em linguagem clara porquê o planejamento central é um exercício de arrogância e futilidade, ou, o que o Economista Austríaco, premiado com o Nobel, F. A. von Hayek adequadamente chamou de “a pretensão do conhecimento”.
De fato, a maior influência no pensamento de Read a este respeito foi o famoso artigo de Hayek, publicado em 1945, “O Uso do Conhecimento na Sociedade”. Demolindo as afirmações espúrias dos socialistas de então (e de agora), Hayek escreveu:
“Não se trata de discutir a respeito de se o planejamento deve ou não ser realizado. É uma discussão de se o planejamento deve ser realizado de maneira centralizada, por uma autoridade, para o sistema econômico inteiro, ou se deve ser divido entre muitos indivíduos”.
É dito que Maximilien Robespierre teria justificado o horror da Revolução Francesa com esta declaração assustadora: “On ne saurait pass faire une omelette sans casser des oeufs”. Traduzindo: “Ninguém pode fazer uma omelete sem quebrar os ovos”. Um rematado estatista, que trabalhou incansavelmente para planejar as vidas de outros, ele se tornaria o arquiteto da fase mais sangrenta da Revolução – o Reino do Terror de 1793-94. Robespierre e sua guilhotina quebraram ovos aos milhares num esforço vão para impor uma sociedade utópica com planejadores governamentais no topo e toda a população embaixo.
A experiência Francesa não é senão um exemplo de um padrão familiar perturbador. Chame-os do que você quiser - socialistas, intervencionistas, coletivistas, estatistas – a história está repleta destes planejadores presunçosos reformulando a sociedade para que esta se encaixe à sua visão de bem comum, planejamentos que sempre falham, enquanto matam ou empobrecem outras pessoas no processo. Se o socialismo alguma vez merecer um epitáfio, será este: Aqui jaz um aparelho planejado por um “sabe tudo” que quebrou ovos sem moderação sem nunca, nunca!, produzir uma omelete.
Nenhum dos Robespierres do mundo sabia como fazer um lápis, contudo eles desejaram reconstruir sociedades inteiras. Quão completamente absurdo, e pesarosamente trágico!
Mas perderemos uma ampla implicação da mensagem de Leonard Read se assumirmos isto como propósito apenas dos tiranos cujos nomes conhecemos. A lição de “Eu, o Lápis” é que os erros não começam quando os planejadores pensam grande. O erro começa no momento em que alguém lança a humildade de lado, assume conhecer o incognoscível, e emprega a força do Estado contra indivíduos pacíficos. Isto não é uma doença nacional. Ela pode, de fato, ser bastante local.
Em nosso meio estão pessoas que pensam que, se elas tivessem o poder do governo ao seu lado, poderiam escolher os vencedores e perdedores de amanhã no mercado, fixar preços e rendas onde eles deveriam estar, decidir quais formas de energia deveriam alimentar nossas residências e carros, e escolher quais indústrias deveriam sobreviver e quais deveriam extinguir-se. Eles deveriam parar por uns poucos momentos e aprender um pouco da humildade de um modesto implemento de escrita.
Enquanto “Eu, o Lápis” destrói as expectativas infundadas dos planejadores centrais, ele fornece uma perspectiva individual supremamente edificante. Guiadas pela “mão invisível” de Adam Smith, por preços, propriedade, lucros e incentivos, pessoas livres realizam milagres econômicos com os quais os teóricos socialistas podem apenas sonhar. Da mesma forma que interesses de incontáveis indivíduos ao redor do mundo convergem para produzir lápis sem uma única “mente controladora”, eles também interagem no livre mercado para alimentar, vestir, abrigar, educar e entreter centenas de milhões de pessoas em níveis cada vez mais altos.
Com grande orgulho, a FEE publica esta nova edição de “Eu, o Lápis” para assinalar o 50o aniversário do ensaio. Algum dia haverá uma edição centenária, talvez mesmo uma milenar. Este ensaio é, verdadeiramente, para a eternidade.
Lawrence W. Reed, Presidente da Foundation for Economic Education
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Eu, o Lápis
Leonard Read
Eu sou um lápis de grafite — daqueles lápis comuns de madeira, conhecidos de todas as crianças e adultos que sabem ler e escrever.
Escrever é minha vocação e minha profissão; é tudo o que eu faço.
Você pode se perguntar o que me leva a escrever uma genealogia. Bem, pra começar, minha história é interessante. E, depois, sou um mistério — mais do que uma árvore ou um pôr-do-sol ou até mesmo um relâmpago. Mas, infelizmente, não sou devidamente considerado por aqueles que me usam, que me veem como se eu fosse uma mera ocorrência natural, sem todo um histórico de experiências. Essa atitude desdenhosa relega-me ao nível da trivialidade. Esse é um tipo de erro lamentável no qual a humanidade não pode persistir por muito tempo sem riscos. Como o sábio G. K. Chesterton observou, "Nossa decadência vem da falta de maravilhamento, não da falta de maravilhas."
Eu, o Lápis, apesar de parecer simples, mereço todo seu maravilhamento e espanto, como tentarei demonstrar. Na verdade, se você tentar me compreender — não, isso é pedir demais de alguém —, se você puder perceber a maravilha que eu simbolizo, você pode ajudar a salvar a liberdade que a humanidade está infelizmente perdendo. Tenho uma lição profunda a ensinar. E posso ensiná-la melhor do que um automóvel ou um avião ou uma máquina lava-louças porque... bem, porque eu sou aparentemente muito simples.
Simples? Sim. E mesmo assim, não há uma única pessoa na face da terra que consiga me produzir. Parece fantástico, não? Especialmente quando se sabe que, apenas nos EUA, existem em torno de um a um bilhão e meio da membros da minha espécie produzidos a cada ano.
Pegue-me e dê uma boa olhada. O que você vê? Não há muito o que contemplar: há um pouco de madeira, verniz, a marca impressa, a ponta de grafite, um pouco de metal e uma borracha.
Inúmeros antepassados
Assim como você não pode rastrear o passado de sua árvore genealógica até muito longe, também me é impossível nomear e explicar todos os meus antepassados. Mas eu gostaria de citar alguns deles para que você se impressione com a riqueza e complexidade do meu passado.
Minha árvore genealógica começa com aquilo que de fato é uma árvore de verdade, um cedro nascido da semente que cresce no nordeste da Califórnia e no estado do Oregon. Agora visualize todas as serras e caminhões e cordas e outros incontáveis instrumentos usados para cortar e carregar os troncos de cedro até a beira da ferrovia. Pense em todas as pessoas e suas inumeráveis capacidades que concorreram para minha fabricação: a escavação de minerais, a fabricação do aço e seu refinamento em serras, machados, motores: todo o trabalho que faz com que as plantas passem por vários estágios até se tornarem cordas fortes e pesadas; os campos de exploração de madeira com suas camas e refeitórios, a cozinha e a produção de toda a comida para os lenhadores. Milhares de pessoas têm participação em cada copo de café que os lenhadores bebem.
Os troncos são enviados para uma serraria em San Leandro, Califórnia. Você é capaz de imaginar todos os indivíduos que fizeram os vagões, os trilhos e as locomotivas, e que construíram e instalaram todos os sistemas de comunicação para tudo isso? Essas multidões estão entre os meus antepassados.
Considere o trabalho dessa serraria em San Leandro. Os troncos de cedro são cortados em pequenas tiras do comprimento de um lápis com menos de 7 milímetros de espessura. Essas tiras de madeira são queimadas no forno e em seguida são coloridas, pela mesma razão que as mulheres colocam maquiagem em seus rostos. As pessoas preferem que eu tenha uma aparência bonita, e não um branco pálido. As tiras são enceradas e levadas novamente ao forno. Quantas habilidades foram necessárias para a fabricação da tintura e dos fornos? E para prover o calor, a luz e a eletricidade, as correias e seus acoplamentos, os motores, e tudo o mais que uma serraria requer? Os faxineiros da serraria estão entre os meus antepassados? Sim, e também os homens que despejaram o concreto para a construção da represa da hidroelétrica que forneceu a energia da serraria!
E não se esqueça de todos os antepassados atuais e distantes que participaram do transporte dos sessenta vagões carregados dessas tiras de madeira através do país.
Uma vez na fábrica de lápis — US$ 27.700.000,00 (valores atualizados) em maquinário e construção, tudo capital acumulado pelos meus pais que pouparam e foram frugais —, uma máquina complexa faz oito entalhes em cada tira de madeira. Após isso, outra máquina deposita a ponta de grafite, aplica a cola e coloca outra tira em cima da tira anterior — um sanduíche de grafite, por assim dizer. Sete irmãos e eu somos mecanicamente esculpidos por meio desse processo de "ensanduichamento de madeira".
Minha ponta de grafite também é complexa. O grafite vem de minas no Sri Lanka. Pense nos mineradores, naqueles que fabricam suas diversas ferramentas, nos fabricantes dos sacos de papel nos quais o grafite é enviado, naqueles que fazem os cordões que amarram os sacos, naqueles que os embarcam nos navios e naqueles que fabricam os navios. Até os zeladores das torres de farol auxiliaram no meu nascimento — além dos pilotos que conduzem os navios quando estes chegam aos portos, também conhecidos como práticos.
O grafite é misturado com argila vinda do Mississipi, em cujo processo de refinamento se usa hidróxido de amônio. Agentes umedecedores são então adicionados, como sebo sulfonado — gorduras animais reagidas quimicamente com ácido sulfúrico. Depois de passar por numerosas máquinas, a mistura finalmente surge na forma de filetes expelidos (processo conhecido como extrusão) — como se saíssem de um moedor de carne —, cortados no tamanho certo, secos e assados por várias horas a mais de 1.000 graus Celsius. Para alisar e aumentar sua resistência, as pontas são então tratadas com uma mistura quente que inclui cera candelilla do México, parafina e gorduras naturais hidrogenadas.
Minha madeira recebe seis camadas de verniz. Você sabe todos os ingredientes do verniz? Quem poderia imaginar que os cultivadores de mamona e os refinadores de óleo de mamona fazem parte? Mas fazem. Aliás, até os processos pelos quais o verniz adquire um belo tom de amarelo envolvem a perícia de mais pessoas do que qualquer um pode enumerar!
Observe minha marca. Ela é um filme formado pela aplicação de calor sobre carbono negro misturado com resinas. Como se faz resinas? E, por favor me diga, o que é carbono negro?
Meu pedaço de metal na ponta superior — o arco — é de latão. Pense em todas as pessoas que mineram zinco e cobre, e naquelas que possuem as habilidades para fazer brilhantes placas de latão com esses produtos da natureza. As pequenas manilhas no meu arco de metal são níquel preto. O que é níquel preto e como ele é aplicado? A história completa sobre o porquê do centro do meu arco de metal não possuir níquel preto levaria páginas para explicar.
Então há a minha gloriosa coroação, a borracha, a parte que o homem usa para apagar os erros que ele comete comigo. São os ingredientes abrasivos que apagam. Produtos feitos pela reação do óleo de semente de colza das colônias holandesas com cloreto sulfúrico. A borracha, contrária ao senso comum, é só para dar consistência. E então, também, há numerosos agentes vulcanizantes e aceleradores. A lixa vem da Itália; e o pigmento que colore a borracha é o sulfeto de cádmio.
Ninguém sabe
Alguém deseja contestar minha afirmação anterior de que não há sequer uma pessoa na face da terra que saiba como me fazer?
Realmente, milhões de seres humanos participaram da minha criação, e nenhum deles sabe mais do que alguns dos outros. Agora, você pode dizer que estou indo longe demais ao relacionar os colhedores de café no Brasil — e em outros lugares — à minha criação, e que essa é uma posição extremada. Mantenho minha posição. Não há uma única pessoa em todos esse milhões, incluindo o presidente da empresa frabricante do lápis, que contribuiu com mais do que uma mínima, ínfima porção de conhecimento. Do ponto de vista técnico e prático, única diferença entre o minerador da grafite e o lenhador no estado do Oregon é o tipo do conhecimento. Nem o minerador nem o lenhador podem ser dispensados, tampouco se pode dispensar o químico da fábrica ou o trabalhador da refinaria de petróleo — já que a parafina é um subproduto do petróleo.
Aqui vai um fato assombroso: nem o trabalhador da refinaria petróleo, nem o químico, nem o escavador do grafite ou da argila, nem os homens que fazem os navios ou trens ou caminhões, nem aquele que controla a máquina que arremata meu pedaço de metal, nem o presidente da empresa fazem seu trabalho particular porque eles me querem. Cada um me deseja menos, talvez, do que uma criança na primeira série. Sem dúvida, existem alguns nesta vasta multidão que nunca viram um lápis ou não sabem como utilizá-lo. Sua motivação é outra. É mais ou menos assim: Cada um desses milhões vê que ele pode, deste modo, trocar seu pequenino conhecimento por bens e serviços que deseja ou dos quais necessita. E eu posso estar ou não entre esses itens.
Sem uma mente superior planejadora
Há um fato ainda mais espantoso: a ausência de uma mente planejadora, de alguém ditando, ou direcionando forçosamente essas incontáveis ações que me permitem existir. Não há sinal da existência dessa pessoa. Em vez disso, vemos apenas o trabalho da mão invisível. Esse é o mistério a que me referi anteriormente.
Diz-se que "apenas Deus pode fazer uma árvore". Por que concordamos com isso? Não é porque percebemos que nós mesmos não conseguimos fazer uma? Conseguimos realmente explicar uma árvore? Não, exceto em termos superficiais. Podemos dizer, por exemplo, que uma determinada configuração molecular se manifesta como uma árvore. Mas qual é o intelecto entre os homens que poderia sequer memorizar as constantes mudanças que acontecem na extensão da vida de uma árvore? Essa façanha é absolutamente impensável!
Eu, o Lápis, sou uma combinação complexa de milagres: árvore, zinco, cobre, grafite e muito mais. Mas, a esses milagres que se manifestam na natureza, um milagre ainda mais extraordinário foi adicionado: a disposição das energias criativas humanas — milhões de minúsculos conhecimentos configurando naturalmente e espontaneamente uma resposta à necessidade e ao desejo humano, sem precisar de qualquer mente superior! Se apenas Deus pode fazer uma árvore, também insisto que apenas Deus pode me fazer. Homens não conseguem dirigir esses milhões de conhecimentos para me trazer à "vida", assim como não conseguem ajustar as moléculas para criar uma árvore.
O parágrafo anterior mostra o que procurei expressar quando disse "se você puder perceber a maravilha que eu simbolizo, você pode ajudar a salvar a liberdade que a humanidade infelizmente está perdendo". Se alguém atentar para o fato de que esses conhecimentos irão naturalmente, até mesmo automaticamente, arranjar-se em padrões produtivos e criativos em resposta às necessidades e demandas humanas — ou seja, na ausência de um governo ou qualquer outra mente superior coercitiva —, então este alguém possuirá um ingrediente absolutamente essencial para a liberdade — a fé nas pessoas livres. A liberdade é impossível sem essa fé.
Uma vez que o governo obteve o monopólio de uma atividade criativa como, por exemplo, a entrega de correspondências, a maioria dos indivíduos passou a acreditar que as cartas não poderiam ser entregues eficientemente pela ação livre dos homens. E aqui está a razão: cada um reconhece que ele próprio não sabe como fazer acontecer todas as circunstâncias para a entrega de correspondências. Essas suposições estão corretas. Nenhum indivíduo possui conhecimento suficiente para efetuar a entrega de correspondências para toda a nação, assim como nenhum indivíduo possui conhecimento suficiente para fazer um lápis. Agora, na ausência da fé em pessoas livres — sem a percepção de que milhões de pequeninos conhecimentos podem naturalmente e miraculosamente se formar e cooperarem para satisfazer suas necessidades — o indivíduo só pode concluir equivocadamente que a correspondência só pode ser entregue graças à "mente superior" do governo.
Fartura de testemunhos
Se eu, o Lápis, fosse o único item que pudesse oferecer testemunho sobre o que homens e mulheres podem realizar quando têm liberdade para empreender, então aqueles com pouca fé teriam um argumento justo. No entanto, há uma fartura de testemunhos: estão à nossa volta, ao nosso alcance. A entrega de correspondência é extremamente simples quando comparada com, por exemplo, a fabricação de um automóvel ou uma calculadora ou uma máquina agrícola ou dezenas de milhares de outras coisas.
Entrega? Aliás, onde os homens puderam se aventurar nessa área, eles conseguiram fazer a entrega da voz humana em menos de um segundo: entregam um evento visualmente e em movimento na casa de qualquer pessoa no momento em que está acontecendo; entregam 200 passageiros de uma cidade a outra em questão de horas; entregam gás de uma cidade à fornalha de alguém em outra cidade a preços inacreditavelmente baixos e sem subsídio; entregam um quilo de óleo do Golfo Pérsico no oeste americano — meia volta ao mundo — por menos do que o governo cobra para entregar uma carta de 50 gramas ao outro lado da rua!
A lição que eu tenho para ensinar é a seguinte: deixem que as energias criativas permaneçam desimpedidas. Simplesmente deixem que a sociedade se organize espontaneamente para que ela aja em harmonia com essa lição. Deixem que os aparatos legais da sociedade removam todos os obstáculos da melhor forma possível. Permitam que esses conhecimentos fluam livremente. Tenham fé que homens e mulheres irão responder à mão invisível. Essa fé será confirmada. Eu, o Lápis, aparentemente tão simples, ofereço o milagre da minha criação como um testemunho de que essa fé é real, tão real quanto o sol, a chuva, o cedro. Tão real quanto a Terra.
Leonard Read foi o fundador do instituto Foundation for Economic Education e amplamente responsável pelo renascimento da tradição liberal nos EUA no pós-guerra.
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Posfácio
por Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia, 1976
A deliciosa estória de Leonard Read, “Eu, o Lápis”, tornou-se um clássico, e merecidamente. Não conheço nenhuma outra peça de literatura que ilustre tão sucintamente, persuasivamente e efetivamente o significado da mão invisível de Adam Smith – a possibilidade de cooperação sem coerção – e a ênfase de Friedrich Hayek na importância do conhecimento disperso, e o papel do sistema de preços na comunicação da informação que “fará com que indivíduos produzam coisas desejáveis sem que ninguém tenha que dizer a eles o que fazer”.
Utilizamos a estória de Leonard em nosso programa na televisão, “Free to Choose” (Livre para Escolher), e no livro de mesmo título para ilustrar “o poder do mercado” (título tanto do primeiro segmento do show de TV quanto do primeiro capítulo do livro). Resumimos a estória e avançamos para dizer: “Nenhuma das milhares de pessoas envolvidas na produção de um lápis desempenhou sua tarefa porque queria um lápis. Alguns entre eles nunca viram um lápis e não saberiam para que ele serve. Cada um viu seu trabalho como um meio de obter bens e serviços que desejavam – bens e serviços que produzimos a fim de adquirir o lápis que desejamos. Cada vez que vamos à loja e compramos um lápis, estamos trocando uma pequena parte de nossos serviços por uma quantidade infinitesimal dos serviços com que cada um destes milhares contribuiu para produzir um lápis”.
“É ainda mais surpreendente que o lápis tenha sido produzido. Ninguém sentado num escritório central deu ordens a estes milhares de pessoas. Nenhuma polícia militar fez cumprir ordens, elas não foram dadas. Estas pessoas vivem em muitos países, falam diferentes línguas, praticam religiões diferentes, podem mesmo odiar-se umas as outras – contudo, nenhuma destas diferenças impediu-os de cooperar para produzir um lápis. Como isto acontece? Adam Smith deu-nos a resposta dois séculos atrás”.
“Eu, o Lápis” é uma produção típica de Leonard Read: imaginativo, simples e sutil, respirando o amor à liberdade que perpassou tudo o que Leonard escreveu ou fez. Como no restante do trabalho, ele não estava tentando dizer às pessoas o que fazer ou como conduzirem a si mesmas. Ele estava simplesmente tentando aumentar o entendimento delas próprias e do sistema em que elas vivem.
Este foi seu credo básico e um a que ele aderiu consistentemente durante seu longo período de serviços ao público – não serviço público no sentido de serviço governamental. Qualquer que fosse a pressão, ele aderiu a suas armas, recusando-se a comprometer seus princípios. Por isso ele foi tão efetivo em manter viva, naqueles primórdios, e então ao disseminar a ideia básica de que a liberdade humana requer propriedade privada, livre competição e governos severamente limitados.
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