por Steven Horwitz
(traduzido por Flávio Ghetti)
Mesmo os economistas mais inteligentes podem cometer os erros mais simples. Dois livros recentes, Violence and Social Order de Douglas North, John Wallis e Barry Weingast e Why Nations Fall de Daron Acemoglu e James Robinson incorrem num equívoco sobre crescimento econômico. Ambos os livros falam das altas taxas crescimento na economia soviética em meados do século XX. Mesmo que os autores corretamente tenham notado que tais taxas não podiam ser sustentadas, continuam a assumir que as quantificações de agregados como o PIB, (as quais acreditam ser evidência de crescimento), realmente refletem melhorias nas vidas dos cidadãos soviéticos. Não está claro que tais agregados sejam bons indicadores do genuíno crescimento econômico.
Estes equívocos sobre o crescimento econômico tomam duas formas. Uma é assumir que as mensurações tradicionais que usamos para acompanhar a atividade econômica também descrevem o crescimento econômico; a outra forma é confundir a produção de coisas materiais com crescimento econômico.
Quase sempre, no centro desta confusão está o conceito de Produto Interno Bruto (PIB). Embora seja frequentemente utilizado como indicador de crescimento econômico, o que ele realmente mede é a atividade econômica. O PIB é calculado pela tentativa de medir o valor final de mercado de bens e serviços produzidos numa área geográfica em particular num período de tempo. Por bens e serviços “finais” queremos dizer os bens e serviços adquiridos pelo consumidor final, e isto significa excluir as várias trocas de insumos que entraram em sua produção. Contamos a fôrma de pão comprada para sanduíches, mas não a aquisição de farinha pela empresa que produziu os pães.
O que o PIB não distingue, entretanto, é se as trocas que estão acontecendo – mesmo a quantidade total de bens finais – verdadeiramente melhoram as vidas humanas.
Esta melhoria é o que deveríamos calcular como crescimento econômico. Dois rápidos exemplos podem ilustrar este ponto.
Primeiro, nações que dedicam uma grande quantidade de recursos para construir enormes monumentos a seus líderes, como resultado, verão seu PIB crescer. A aquisição de bens finais e serviços laborais para construir tais monumentos será acrescida ao PIB, mas se eles melhoram as vidas humanas e se deveriam genuinamente constituir “crescimento econômico” é muito menos óbvio. O PIB não nos diz nada a respeito de se os usos dos bens e serviços finais que ele mensura são melhores do que seus usos alternativos.
Segundo, considere como, quase sempre, as pessoas apontam o lado bom dos desastres naturais: todos os empregos que serão criados no processo de recuperação. Estou escrevendo esta coluna no aeroporto de New Orleans, onde, após o Katrina, o desemprego era muito baixo e as mensurações do PIB eram altas. Toda aquela atividade de limpeza contava como parte do PIB, mas não penso que queiramos dizer que reconstruir uma cidade devastada seja crescimento econômico – ou mesmo que isto seja qualquer tipo de “lado bom”. No melhor das hipóteses tal atividade apenas retorna para onde estávamos antes do desastre, tendo utilizado no processo recursos que poderiam ter sido dedicados a melhorar vidas.
O PIB mede a atividade econômica, a qual pode ou não constituir crescimento econômico. Deste modo, é como o peso do corpo. Podemos imaginar dois homens, ambos pesando 110 Kg. Um pode ser musculoso, um atleta profissional em forma, com gordura corporal muito baixa; e o outro pode estar numa “dieta de engorda”. Saber quanto uma pessoa pesa não nos diz se ela é gorda ou musculosa. O PIB nos diz que as pessoas estão produzindo coisas, mas não diz nada a respeito de se aquelas coisas estão verdadeiramente melhorando as vidas das pessoas.
A União Soviética de fato podia produzir “coisas”, mas quando olhamos a vida real do cidadão típico, as coisas produzidas não se traduziram em melhoria significativa de suas vidas.
Melhorar vidas é o que realmente importa quando falamos sobre crescimento econômico.
A segunda confusão é uma versão particular da primeira. Muitas vezes pensamos que o crescimento econômico diz respeito à produção de bens materiais. Vemos isto em discussões sobre a economia dos EUA, onde o (suposto) declínio na fabricação é apontado como sintoma de um crescimento econômico medíocre. Mas se crescimento econômico diz realmente respeito à acumulação de riqueza – o que, por sua vez, diz respeito a pessoas adquirindo coisas que elas valorizam mais – então bens materiais por si só não são o problema. Mais coisas físicas, não significa que estas coisas melhorem vidas.
Todavia, o que realmente importa é o valor subjetivo. A aquisição de um serviço não é menos apta a melhorar nossas vidas, e deste modo ser um motivo de crescimento econômico, do que são a produção e aquisição de bens materiais. Na verdade, damos realmente importância, ao adquirirmos bens materiais, não à coisa em si, mas ao fluxo de serviços que ela nos proporciona. O laptop em que estou trabalhando é valioso, porque me provê com um grupo inteiro de serviços (processador de textos, jogos, acesso a internet, etc...) que valorizo em alta conta. É a satisfação subjetiva de desejos que realmente nos importam, e não interessa se isto vem de um bem físico ou do trabalho humano.
Este ponto é particularmente óbvio em economias digitais e de intercâmbio, onde tanto valor é criado não através da produção de coisas, mas pelo uso mais eficiente e preciso que fazemos destas coisas. O Uber não requer a produção de mais carros, e o Airbnb não requer a produção de mais residências. Utilizando melhor os recursos existentes, criamos valor – e isto é o que queremos dizer com crescimento econômico.
Então o que deveríamos observar, ao invés do PIB, se tentamos verificar se estamos experimentando crescimento econômico? Observe os padrões de vida da média das pessoas, e especialmente dos pobres. Quão facilmente eles podem obter as coisas básicas da vida? Quantas horas ele têm que trabalhar para tal? Observe a divisão do trabalho. Quão boa ela é? As pessoas são capazes de se especializar em áreas específicas e ainda encontrar demanda por seus produtos e serviços?
Crescimento econômico não é o mesmo que atividade econômica. Não diz respeito apenas a realizar mais trocas ou produzir mais coisas. Diz respeito, basicamente, a proporcionar às pessoas os bens e serviços que elas desejam a custos progressivamente mais baixos e, deste modo, melhorar seu bem estar. Isto é o que os mercados vêm fazendo nos últimos dois séculos. Para aqueles de nós que compreenderam este ponto, é importante não presumir que taxas mais altas de PIB ou aumento de produção de coisas físicas automaticamente signifiquem que estamos vendo crescimento.
Crescimento econômico real diz respeito a melhorar o bem estar subjetivo das pessoas, e isto é, às vezes, mais difícil de observar, mesmo quando as evidências estão ao nosso redor.
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Publicado originalmente na FEE.
(traduzido por Flávio Ghetti)
Mesmo os economistas mais inteligentes podem cometer os erros mais simples. Dois livros recentes, Violence and Social Order de Douglas North, John Wallis e Barry Weingast e Why Nations Fall de Daron Acemoglu e James Robinson incorrem num equívoco sobre crescimento econômico. Ambos os livros falam das altas taxas crescimento na economia soviética em meados do século XX. Mesmo que os autores corretamente tenham notado que tais taxas não podiam ser sustentadas, continuam a assumir que as quantificações de agregados como o PIB, (as quais acreditam ser evidência de crescimento), realmente refletem melhorias nas vidas dos cidadãos soviéticos. Não está claro que tais agregados sejam bons indicadores do genuíno crescimento econômico.
Estes equívocos sobre o crescimento econômico tomam duas formas. Uma é assumir que as mensurações tradicionais que usamos para acompanhar a atividade econômica também descrevem o crescimento econômico; a outra forma é confundir a produção de coisas materiais com crescimento econômico.
Quase sempre, no centro desta confusão está o conceito de Produto Interno Bruto (PIB). Embora seja frequentemente utilizado como indicador de crescimento econômico, o que ele realmente mede é a atividade econômica. O PIB é calculado pela tentativa de medir o valor final de mercado de bens e serviços produzidos numa área geográfica em particular num período de tempo. Por bens e serviços “finais” queremos dizer os bens e serviços adquiridos pelo consumidor final, e isto significa excluir as várias trocas de insumos que entraram em sua produção. Contamos a fôrma de pão comprada para sanduíches, mas não a aquisição de farinha pela empresa que produziu os pães.
O que o PIB não distingue, entretanto, é se as trocas que estão acontecendo – mesmo a quantidade total de bens finais – verdadeiramente melhoram as vidas humanas.
Esta melhoria é o que deveríamos calcular como crescimento econômico. Dois rápidos exemplos podem ilustrar este ponto.
Primeiro, nações que dedicam uma grande quantidade de recursos para construir enormes monumentos a seus líderes, como resultado, verão seu PIB crescer. A aquisição de bens finais e serviços laborais para construir tais monumentos será acrescida ao PIB, mas se eles melhoram as vidas humanas e se deveriam genuinamente constituir “crescimento econômico” é muito menos óbvio. O PIB não nos diz nada a respeito de se os usos dos bens e serviços finais que ele mensura são melhores do que seus usos alternativos.
Segundo, considere como, quase sempre, as pessoas apontam o lado bom dos desastres naturais: todos os empregos que serão criados no processo de recuperação. Estou escrevendo esta coluna no aeroporto de New Orleans, onde, após o Katrina, o desemprego era muito baixo e as mensurações do PIB eram altas. Toda aquela atividade de limpeza contava como parte do PIB, mas não penso que queiramos dizer que reconstruir uma cidade devastada seja crescimento econômico – ou mesmo que isto seja qualquer tipo de “lado bom”. No melhor das hipóteses tal atividade apenas retorna para onde estávamos antes do desastre, tendo utilizado no processo recursos que poderiam ter sido dedicados a melhorar vidas.
O PIB mede a atividade econômica, a qual pode ou não constituir crescimento econômico. Deste modo, é como o peso do corpo. Podemos imaginar dois homens, ambos pesando 110 Kg. Um pode ser musculoso, um atleta profissional em forma, com gordura corporal muito baixa; e o outro pode estar numa “dieta de engorda”. Saber quanto uma pessoa pesa não nos diz se ela é gorda ou musculosa. O PIB nos diz que as pessoas estão produzindo coisas, mas não diz nada a respeito de se aquelas coisas estão verdadeiramente melhorando as vidas das pessoas.
A União Soviética de fato podia produzir “coisas”, mas quando olhamos a vida real do cidadão típico, as coisas produzidas não se traduziram em melhoria significativa de suas vidas.
Melhorar vidas é o que realmente importa quando falamos sobre crescimento econômico.
A segunda confusão é uma versão particular da primeira. Muitas vezes pensamos que o crescimento econômico diz respeito à produção de bens materiais. Vemos isto em discussões sobre a economia dos EUA, onde o (suposto) declínio na fabricação é apontado como sintoma de um crescimento econômico medíocre. Mas se crescimento econômico diz realmente respeito à acumulação de riqueza – o que, por sua vez, diz respeito a pessoas adquirindo coisas que elas valorizam mais – então bens materiais por si só não são o problema. Mais coisas físicas, não significa que estas coisas melhorem vidas.
Todavia, o que realmente importa é o valor subjetivo. A aquisição de um serviço não é menos apta a melhorar nossas vidas, e deste modo ser um motivo de crescimento econômico, do que são a produção e aquisição de bens materiais. Na verdade, damos realmente importância, ao adquirirmos bens materiais, não à coisa em si, mas ao fluxo de serviços que ela nos proporciona. O laptop em que estou trabalhando é valioso, porque me provê com um grupo inteiro de serviços (processador de textos, jogos, acesso a internet, etc...) que valorizo em alta conta. É a satisfação subjetiva de desejos que realmente nos importam, e não interessa se isto vem de um bem físico ou do trabalho humano.
Este ponto é particularmente óbvio em economias digitais e de intercâmbio, onde tanto valor é criado não através da produção de coisas, mas pelo uso mais eficiente e preciso que fazemos destas coisas. O Uber não requer a produção de mais carros, e o Airbnb não requer a produção de mais residências. Utilizando melhor os recursos existentes, criamos valor – e isto é o que queremos dizer com crescimento econômico.
Então o que deveríamos observar, ao invés do PIB, se tentamos verificar se estamos experimentando crescimento econômico? Observe os padrões de vida da média das pessoas, e especialmente dos pobres. Quão facilmente eles podem obter as coisas básicas da vida? Quantas horas ele têm que trabalhar para tal? Observe a divisão do trabalho. Quão boa ela é? As pessoas são capazes de se especializar em áreas específicas e ainda encontrar demanda por seus produtos e serviços?
Crescimento econômico não é o mesmo que atividade econômica. Não diz respeito apenas a realizar mais trocas ou produzir mais coisas. Diz respeito, basicamente, a proporcionar às pessoas os bens e serviços que elas desejam a custos progressivamente mais baixos e, deste modo, melhorar seu bem estar. Isto é o que os mercados vêm fazendo nos últimos dois séculos. Para aqueles de nós que compreenderam este ponto, é importante não presumir que taxas mais altas de PIB ou aumento de produção de coisas físicas automaticamente signifiquem que estamos vendo crescimento.
Crescimento econômico real diz respeito a melhorar o bem estar subjetivo das pessoas, e isto é, às vezes, mais difícil de observar, mesmo quando as evidências estão ao nosso redor.
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Publicado originalmente na FEE.
Muito bom. Como medimos isso?
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